Imagine uma rua por onde andassem pelas suas calçadas: Renoir, Vincent van Gogh, Paul Gauguin, Toulouse-Lautrec entre outros. Se você tivesse que pintá-la, colorí-la, retratá-la em um filme, que visual teria?
Este é o clima que encontramos no filme e no cartaz de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”: uma certa semelhança com pintura, com uma tela carregada de tinta, luz e cores. Pode ser uma coincidência ou uma inspiração, mas é fato que estes pintores, e alguns outros tantos da mesma época, passeavam pelas ruas de Montmatre, em Paris, perambulando pelos bares, cafés, galerias, retratando seus moradores, contando suas histórias, participando do dia-a-dia e quem sabe até, mudando suas vidas.
E foi isso que Amélie fez, mudou a vida das pessoas.
Mas não foi por coincidência, mas sim inspiração, referência, o uso da obra de um pintor brasileiro, como base de criação de toda a direção de arte e fotografia do filme. A obra de Juarez Machado com suas cores quentes, vivas foram o pontapé inicial na criação da estética deste belíssimo filme. Influência que também está claramente presente no cartaz de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”.
Vamos começar por sua composição um gráfica.
Se dividirmos o cartaz pelo centro na horizontal e na vertical, vamos perceber que a disposição da personagem principal, Amélie, ao centro do cartaz, possui pesos diferenciados em cada uma de suas áreas retangulares.
Nos dois retângulos que estão posicionados no canto superior esquerdo e inferior direito, o peso da imagem é menor, enquanto que nos outros dois retângulos — canto superior direito e canto inferior esquerdo — o peso é maior causando assim uma pequena assimetria, não de imagem mais de foco, pois deste modo o olhar de Amélie, e sua boca, formam um triângulo forçando nossos olhos a permanecerem por mais tempo nesta área da imagem.
Esta imagem de Amélie possui o mesmo olhar, o mesmo sorriso, o mesmo ar de surpresa que encontramos durante, praticamente, todo o filme. Este cartaz já nos prepara para um encontro com Amélie, nos tornamos íntimos dela e quando a vemos em cada cena, reconhecemos sua personalidade, nos encantamos, identificamos, torcemos por ela mesmo sem saber da sua história.
“Algumas pessoas se conhecem desde sempre”
diz Amélie, e esta sensação de intimidade e proximidade que temos no cartaz existem em muitas seqüências do filme, por várias vezes vemos Amélie aparecer nas cenas como aparece aqui: o mesmo olhar de garota matreira e mulher sonhadora. Não existiria melhor maneira para retratá-la em seu cartaz.
Outra sensação muito clara nesta imagem é a de ilusão, fantasia, sonho. Uma sinestesia alcançada de várias maneiras:
• Com um fundo nebuloso de nuvens e estrelas em uma cor que não é característica de céu, nuvens ou estrelas: verde.
• Um enquadramento que parece distorcer a personagem, dá uma sensação de que a estamos olhando através de uma bola de cristal, ou como se estivéssemos sendo observados por ela — nós dentro da bola — como se esta imagem fosse fruto da nossa imaginação. Tente imaginar: você segurando uma bola de cristal na altura dos olhos e vendo Amélie através dela, com suas nuvens de estrelas nebulosas e verdes. Ou então ela — do lado de fora desta bola — te observando atentamente pensando em como mudar sua vida.
Será que ela existe? Será que não existe um pouco de Amélie dentro de cada um de nós? Esta pergunta está embutida neste cartaz, nesta imagem. Basta conseguirmos olhar mas além... além do dedo. Explico: Amélie quer mudar a sua vida e ela diz em certo momento do filme “quando o dedo aponta para o céu, o imbecil olha para o dedo”. Olhe então para dentro desta imagem simples de uma moça, olhe para além das nuvens esverdeados e assim a vida se move e tudo pode acontecer porque, segundo Amélie, “é impressionante como de repente toda sua vida parece caber numa caixinha desse tamanho” ou em um cartaz deste tamanho.
Mas este movimento, esta mudança aonde estão presentes neste cartaz? Se temos apenas uma imagem central como ela pode causar sensação de movimento?
Para isso as cores são perfeitas, e com base na obra de Juarez Machado, conforme foi citado início, com seus tons fortes e contrastantes, conseguimos este movimento. Podemos até utilizar aqui e uma frase de Vincent van Gogh “pretendendo exprimir com os vermelhos e os verdes as terríveis paixões humanas”. Vemos essa força, esta paixão, neste filme e neste cartaz. As cores se chocam, são opostas, os olhos não conseguem se manter o tempo todo apenas em uma das cores, ele precisa descansar dela e olhar para outra, então, se cansa, satura novamente e olha para a anterior, assim sucessivamente em um movimento infinito e constante de alternância entre estas duas cores. Isso só ocorre porque são cores opostas, juntas, formam o que chamamos de 100% de comunicação cromática.
O uso contrastante do vermelho e do verde são evidenciados pelo excesso de luz no seu rosto e pela cor negra do seus cabelos, olhos, sobrancelhas e pelo escurecimento da parte inferior do cartaz, fazendo com que exista um movimento dos nossos olhos passeando por essas cores. A sua boca vermelha pontua um detalhe, causando uma pausa no movimento e reforçando a simbologia desta cor.
Vermelho e verde. Força e delicadeza. Paixão e esperança. Amor e amizade. Coragem e timidez. Grito e Silêncio. Mil pessoas a sua volta e solidão. Sonho e realidade. Futuro e Passado. Medo e Segurança. Contrastes presentes nas cores do cartaz e em todo o filme.
Temos também o amarelo, a assinatura deste cartaz. Amarelo de vitalidade, de luz. Amarelo de alegria. Amarelo de riqueza (no caso aqui, riqueza espiritual). As pessoas alcaçam a luz, a riqueza na alegria e espírito depois de terem suas vidas mudadas por Amélie.
A tipografia escolhida para esta assinatura não poderia ser melhor. Uma letra maleável como se fossem as pinceladas da assinatura dos nomes de Renoir, van Gogh ou Lautrec em seus quadros. Vale lembrar que um dos personagens do filme é um velho senhor que passa sua vida falsificando obras de Renoir.
Realmente, tanto o cartaz como filme, parecem ter pinceladas de nomes como estes que passeavam pelos cafés de Montmatre, como o que existe no filme e que se um dia você for a Paris poderá conhecê-lo. O café onde Amélie trabalha chama-se “Café 2 des Moulins”, ele existe realmente e possui este imenso cartaz decorando suas paredes. Mas se não der para ir à Paris, pelo menos não deixe de ver “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” é imperdível. E se quiser ler uma artigo escrito por mim sobre o filme com mais detalhes da direção de arte, enquadramentos etc clique aqui.
Este cartaz foi o mais divulgado em todos os lugares onde o filme foi exibido. Segue abaixo outros dois cartazes. O primeiro mais divulgado em Paris, até porque usa como imagem o “Café 2 de Moulins” localizado em Montmatre. Ele possui a mesma foto de Amélie, mas usando a relação simbólica do amarelo e fazendo uma relação dela com de uma lua cheia, com luz, como se dominasse a todos. O segundo em tons de vermelho feito para divulgação no Japão onde Amélie aparece deitada em sua cama com alguns objetos em verde a sua volta. Este cartaz também causa uma sensação de estranheza já que pesa mais para baixo e exagera nos tons de vermelho, tem uma conotação mais sensual e sexual que os outros e é interessante notar as fotos em cima da cabeceira de sua cama: fotos que existem no filme de um cachorro e pato que em determinado momento se animam e conversam com Amélie.
Espero que vocês tenham gostado e aguardo suas opiniões. Os cartazes que estão em votação para a proxima análise, de acordo com sugestões que recebi, são: Ladrão de Sonhos, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Henry and June - Delírios Eróticos, Gilda e Boca de Ouro. Vote nesta nova enquete, está na barra lateral a direita, e mande sua sugestão para o próximo. Se quiser mande um arquivo de algum cartaz também como sugestão e caso queira receber as atualizações não esqueça de deixar uma mensagem ou mandar um mail. Abaixo as imagens dos cartazes que estão em votação.
Cartaz anterior: Memórias de um Gueixa
inspiração 1 . palavras
"Me encanta estar vivo, trabalhando e criando ...
só desenhei o que o coração pediu..."
(elifas andreato)
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
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