Estou de volta com as análises de cartazes ou, como prefiro chamar, “Desconstrução Gráfica de Cartazes”. Para quem não conhece nenhuma delas, comecei a fazer este trabalho há muito tempo para usar em uma oficina sobre a relação que existe entre o design gráfico e o cinema. Acabou dando muito certo, várias mensagens, pedidos de uso por universidades, estudantes etc e, lógico, como fruto da internet, muita gente usando sem autorização e o pior, sem os créditos.
Atendendo a pedidos, que foram muitos, estou voltando a faze-las. Os cartazes já desconstruídos foram: Central do Brasil - Clube da Luta - Magnólia - De Olhos Bem Fechados - Corra Lola Corra - Eu, Tu, Eles - Shine e Cidadão Kane. Para ver ou rever um deles você os encontra no site da DG ou no Cineclube Lanterna Mágica. Agora essas análises estarão aqui 1 vez por mês e gostaria da sua opinião para o próximo cartaz a ser analisado. Me mande sua sugestão ou vote em uma das indicações na enquete ao lado.
Para essa volta escolhi um cartaz que tem tudo a ver comigo: Mémórias de um Gueixa. Espero que gostem.
Cartaz de leitura simples, fácil básica, com uma diagramação simétrica mas, com alguns pesos assimétricos em suas proporções. Possui uma forte relação entre figura e fundo — gestalt — o que prende nossa visão. Vemos, percebemos e entendemos muito bem tudo que existe neste cartaz. Tem como linguagens principais: o forte e marcante o uso das cores e o simbolismo do pensamento oriental embutido em suas imagens e insinuações.
Começando com as cores: vermelho, azul, preto e branco. A escolha não poderia ter sido mais perfeita. Vermelho. Cor da paixão, do amor, do sexo, mas também da violência, do sangue e da dor. Tudo isso colocado em uma boca. E não é uma boca qualquer, mas lábios perfeitamente delineados, como devem ser os lábios de uma gueixa. Fechados, não sorriem, nem parecem querer dizer alguma coisa. Lábios perfeitos e mudos, como devem ser as gueixas. Lábios mudos que escondem tudo que a cor vermelha representa, principalmente, suas memórias.
O vermelho é a cor que mais pesa neste cartaz. Seu posicionamento é entre o azul e o preto e está praticamente ao centro da linha de leitura principal que se inicia no canto superior esquerdo e vai para o canto inferior direito.
Ou seja, antes da paixão, do desejo, da vida real — vermelho — vem o sonho, a pureza, o passado — azul — e depois a solidão, a espera, a tristeza — preto.
O azul dos olhos representa seus sonhos de criança, sua pureza, seu passado.
O branco iluminado do rosto tem um simbolismo fácil: uma máscara, a associação direta com o fato das gueixas terem que buscar o aspecto de bonecas de porcelana, perfeitas, limpas, claras, leves, além de ter que se enconder, atrás da maquiagem, sua verdadeira personalidade.
Sinestesicamente esse branco sustenta o azul e o vermelho, ou seja, escondem a realidade e mostram apenas o que seduz os homens, a pureza do olhar em contraste com o erotismo da boca.
Vale lembrar uma frase do filme que diz que uma gueixa só está pronta quando, sem estar vestida de gueixa, consegue, somente com o olhar, parar qualquer homem na rua.
Ela está maquiada como gueixa, mas não esta vestida nem penteada como uma. Seus cabelos soltos emolduram seu rosto com um negro profundo. No filme são poucos os momentos em que aparecem de cabelos soltos. E por que?
Os cabelos soltos colocam neste cartaz um personagem do filme que seria muito difícil se traduzir em imagens: o vento e o tempo.
Para os japoneses, o vento que toca as cerejeiras em flor ou a água que move o rio, são elementos de grande importância simbólica.
O vento, essa passagem de tempo, é uma constante neste filme. Mas não é um vento feliz, alegre, é um vento que traz dores, angústias e principalmente solidão.
Esse vento negro emoldura seu rosto leve, branco, e se arrisca por cima do vermelho de sua boca — seus amores, dores — e do azul dos seus olhos — sua pureza e passado. Esse vento, simbolicamente representando o tempo, interfere nestes pontos de sua vida.
É extremamente difícil nosso olhar se desligar desta boca, não apenas pelo vermelho que ela carrega, mas pela proporção assimétrica que temos a sua volta. Essa assimetria do fundo prende nossos olhos na metade de baixo do cartaz, e por isso mesmo que o nome do filme não precisa ser tão grande. Pode ser delicado e pequeno. Fechamos esta leitura com uma tipografia perfeitamente escolhida, com serifas leves, forma esguia, delicada e sofisticada. Uma gueixa em forma de letra. E não precisamos de mais nada.
Como a simplicidade e as simbologias orientais, esse cartaz se resolve de forma limpa, leve e clássica. Prende nosso olhar, fala de paixão, de dor, de passado, de desejos sem precisar de inúmeras imagens para isso. Transmite arte, serenidade e é extremamente enigmático como as geuixas, artistas da noite, mulheres das sombras, muitas vezes incompreendidas, confundidas, proibidas de amar e de desejar. Impossível não ver tudo isso neste cartaz, nesta imagem que é como um bonsai ou uma cerejeira, que escondem no tempo cada traço de sua história e se movem ou alteram seu percurso conforme os diferentes caminhos que o tempo, ou o vento, os leva.
Assim são as gueixas.
Abaixo outras opções dos cartazes para lançamentos em locais diferentes. Percebemos claramente as diferentes propostas: o 1º a esquerda com apelo romântico e sem demonstrar muito apego as tradições orientais, a imagem é clara, com cores leves, românticas com muita luz (o que não acontece no filme) , na opção do meio temos o oposto a idéia principal se concentra nas tradições orientais e reforça a imagem de coisas escondidas na escuridão da noite (percebemos isso pela porta entreaberta, imagem refletida ao espelho e tons fechados, noturnos do cartaz) e o último tem apelo mais informativo já que tem várias cenas do filme e usa a imagem do cartaz que analisei de fundo. O interessante neste cartaz é reparar no modo como as fotos na lateral direita de alinham: essa forma que constroem umas sob as outras pode nos remeter a silhueta de um bonsai ou de uma gueixa de perfil.
Bem é isso espero que tenham gostado e aguardo palpites, sugestões opiniões etc...
inspiração 1 . palavras
"Me encanta estar vivo, trabalhando e criando ...
só desenhei o que o coração pediu..."
(elifas andreato)
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
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